Gostaria de iniciar este pequeno texto lembrando de uma grande inimiga que estou acabando de destruir e afastar de mim. Ela me causou um mal danado, difícil de esquecer e impossível de perdoar. Posso até dizer que ela fez de mim o que quis, usou meu corpo como quis, me deixando preso à cama e febril. Inclusive, ajudou a perturbar o início das aulas. Desgraçada! Não tem telefone, endereço, nem profissão e, o que é pior, é invisível a olho nu. O nome dela é Escherichia coli. Uma bactéria maldita que instalou-se e só foi expulsa com metralhadas antibióticas. O bombardeio foi grande!
Somente um humano mesmo para pensar estas coisas, para falar de um bichinho microscópico como se fosse outra pessoa. Nenhum outro animal tem essa capacidade. Um cachorro atacado por um vírus nunca irá entender o que se passa. Vai morrer ou ser salvo mas, no máximo, abanará o rabo: ele não se sabe.
Então, aí vai uma primeira constatação. Somos seres diferentes dos outros animais. Nós raciocinamos, refletimos, não aceitamos as coisas simplesmente como elas surgem à nossa frente. Não ficamos parados, doentes, sem fazer nada contra uma infecção, por exemplo. Nem tampouco abanamos o rabo se ficamos curados, porque não temos um. Na falta dele nós sorrimos, mas sempre porque temos motivos para estar contentes, e não como os cães, que saem abanando para qualquer um...
Mas, e a Filosofia, o que tem a ver com isto? No fundo, a Filosofia tem relação com tudo o que é humano. Mas, vamos com calma.
Se fosse há milhares de anos atrás, provavelmente uma doença seria vista como um castigo dos deuses, uma bruxaria ou algo parecido. As pessoas se utilizavam dos mitos para explicar tudo, quer dizer, justificavam com as crenças o que acontecia na vida delas. Por volta dos séculos VI e V antes de Cristo (a.C.) começa a ser construída na Grécia uma nova forma de pensar que foi chamada de Filosofia.
Esse novo pensamento, essa nova atitude, já não se contentava mais com as velhas explicações. Procurava a verdade através da razão, de explicações racionais. Assim, por exemplo, ao invés de aceitar uma doença como uma fatalidade do destino, começou-se a perguntar: mas, afinal, por que ficamos doentes? O que é uma enfermidade? Quais as causas disto que estou sentindo? O que é a saúde? Ou ainda, indo mais longe: se as enfermidades não deixam tão tristes, o que podemos fazer para reencontrar a alegria e a felicidade? O que é a felicidade?
Então, uma primeira resposta à pergunta “O que é a Filosofia?” pode ser esta: a decisão de não aceitar como óbvias e evidentes as coisas, as idéias, os fatos, as situações, os valores, os comportamentos da nossa vida cotidiana. Jamais aceitar o que se passa sem antes haver investigado e compreendido. O que é? Por que é? Como é? Essas são perguntas fundamentais para a Filosofia.
Para a Filosofia, tudo pode ser alvo de questionamento. Nada mais é visto como “normal”. Por isso o medo que ela causa aos poderosos: se as pessoas começam a filosofar, não aceitam mais ser tratadas como objetos. A verdade pode ser buscada por qualquer pessoa, não pertence mais à meia dúzia de “sábios” ou “doutores”.
Dessa atitude de se interrogar surge a reflexão filosófica, que é radical, ou seja, vai até a raiz do problema. A reflexão filosófica é tão profunda que começa se perguntando como é possível que a gente pense. Veja que isto não é nada simples. E qualquer resposta dada muda todo nosso jeito de ver o mundo e de agir nele.
Mas... como eu disse antes, vamos com calma. Estamos apenas começando. Iniciando uma busca que nunca terá um fim, porque, como disse o filósofo Immanuel Kant, “não se ensina Filosofia, ensina-se a filosofar”.
Elenilton Neukamp
professor de Filosofia
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